A variedade Vitória criada pela Embrapa reanima as exportações da fruta a partir do sertão nordestino. A safra de fim de ano abastece as festas no Brasil e em países como a Inglaterra.
As uvas finas de mesa voltaram a ser, nos últimos dois anos, um produto exemplar da vitalidade produtiva do Vale do São Francisco. A região situada entre os municípios de Petrolina (PE) e Juazeiro (BA) — maior empreendimento de agricultura irrigada do País e, também, o principal polo exportador de frutas — está fazendo mais uma importante transformação viticultora.
Pela primeira vez, uma variedade nacional, a “BRS Vitória”, lançada pela Embrapa, em 2013, e testada firmemente no semi-árido, conseguiu superar os exigentes padrões de qualidade para esse tipo de uva e, com seu sabor aframboesado, conquistar o paladar europeu. Todos os meses, de 30 a 40 toneladas da Vitória embarcam fresquinhas no aeroporto de Petrolina rumo à Inglaterra.
“A Vitória lembra o gosto da minha infância, por ter o sabor das uvas labruscas, como a Niágara e a Isabel”, diz o engenheiro agrônomo e viticultor Jadson Lopes, que tem cerca de dez hectares em suas propriedades plantados com a variedade brasileira. Essa área, que representa 10% de suas fazendas, já lhe garante uma produção total de 20 a 25 toneladas por safra.
Lopes destina a maior parte para o mercado interno e contribui com 5% a 10% das exportações do Vale. Ele está convencido, como cada vez mais empresários na região, que a BRS Vitória está só no início da sua jornada. “Tem muito para crescer”, prevê. “O mercado mundial de uvas negras representa 10% do total de uva de mesa e acreditamos que podemos ficar com 50% a 60% deste negócio.”
A uva plantada no Vale do São Francisco tem duas safras, entre abril e junho e setembro e dezembro. A safra do primeiro semestre foi usada como teste de produção e de mercado para muitos viticultores. Caixas do produto foram enviadas, primeiramente, para varejistas britânicos e grandes distribuidores europeus. Esses lotes servem para que os potenciais compradores avaliem o produto.
A safra colhida nos últimos meses conta com o mercado certo para as festas de fim de ano, aqui e no exterior. As exportações tornaram-se mais expressivas e para abastecer os supermercados britânicos durante o inverno, com vantagem de preço sobre os tradicionais fornecedores da Itália, Espanha e Grécia. A Vitória também está abrindo mercado em lugares como Bélgica, e Alemanha e na Escandinávia,
A ausência de chuvas no Vale do São Francisco e o controle da irrigação garantem uma colheita escalonada e um amadurecimento impecável da uva, além da aparência e da resistência exigidas no mercado externo. A BRS Vitória está sendo plantada em uma área total de 200 hectares, do quais 100 estão em plena produção e preparados para a exportação.
Aos poucos, ela deve avançar sobre terrenos maiores ainda ocupados por variedades estrangeiras, como a Superior Seedless (Festival) ou a Thompson Seedless. Além de ser menos suscetível às pragas – ela é é a primeira uva brasileira tolerante ao míldio, principal fungo que assola as videiras do país, o que reduz seus custos com defensivos -, a Vitória tem alta fertilidade e não paga royalties.
Muitos produtores ainda estão na fase de testes, pré-exportação. É o caso da Agrivale, exportadora de uvas e mangas, que reservou 4,4 hectares de seus 300 hectares de área para a variedade brasileira. Dezessete dos 22 produtores reunidos na Cooperativa de Produtores Exportadores do Vale do São Francisco (Coopexvale) seguiram o mesmo caminho e entraram na etapa das vendas.
“Exportamos todo mês, desde junho, e destinamos 10% de nossa área de 300 hectares para a Vitória”, afirma o gerente comercial da Coopexvale, Alisson Vieira. Cada hectare plantado rende 40 toneladas anuais de uva. “Além de um custo de produção competitivo, um pouco mais baixo do que as variedades estrangeiras, ela vai estar disponível durante a entressafra de outros produtores mundiais.”
A Vitória representa o amadurecimento de um programa de melhoramento genético iniciado pela Embrapa há quatro décadas. Nos anos 1990, quando se definiu a preferência pelas variedades sem caroço, os produtores do Vale do São Francisco passaram a produzi-las, mas dependiam de tipos americanos.
No início deste século, a Embrapa lançou três variedades, Morena, Clara e Linda, que atendiam bem o mercado interno, mas não se mostraram competitivas internacionalmente. “Estamos gerando, agora, produtos de alta competitividade”, diz José Fernando Protas, pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, sediada no Rio Grande do Sul. “A Vitória tem uma demanda internacional maior do que a oferta.”
Globalmente, segundo a UN Comtrade, base de dados das Nações Unidas sobre comércio internacional, as vendas de uvas de mesa movimentam mais de 11 bilhões de dólares e são dominadas pelo Chile, que abocanha um quarto da receita de exportações. O Brasil, que chegou a ser o sexto maior exportador, em 2007, e vender 300 milhões de dólares em uvas, perdeu espaço, desde então, por problemas de variação de qualidade, associados a pragas ou ao clima.
Em 2015, o único produto que apresentou crescimento de exportações foi a uva – 21,3% na quantidade exportada, que saltou para 34 mil toneladas, e 8,26% em valor, alcançando 66 milhões de dólares. O Vale do São Francisco responde por mais de 95% das vendas externas de uvas de mesa.
O Brasil é um dos maiores produtores de frutas tropicais, subtropicais e de clima temperado do mundo, com volumes superiores a 43 milhões de toneladas, mas só cerca de 3% de sua produção é exportado. Os outros 97% ficam no mercado interno, dos quais 50% são distribuídos in natura e 48%, processados para fabricação de sucos, conservas e doces. Entre as frutas mais exportadas estão a manga, a uva, o melão, o limão taiti, a maçã, a melancia e o mamão papaya.
A manga, plantada fartamente no vale do São Francisco, responsável por 85% de suas exportações, tem se destacado em anos recentes com principal fruta destinada ao exterior. Como vem acontecendo com a uva de mesa, encontrou uma janela de oportunidade, dessa vez nos Estados Unidos, por conta da entressafra no México e no Equador, tradicionais fornecedores daquele mercado. Entre 2014 e 2015, o volume de exportação da fruta saltou de 133 mil para 156 mil toneladas e a receita, de 163 milhões para 184 milhões de dólares.
Fonte: gmehub.com