Existem histórias que ouvimos quando criança que nunca saem de nossa memória.

Esta que contarei neste capítulo é uma dessas, que ouvi na minha infância, nas agradáveis conversas com Paulo do Maratá (in memorian) e Ranchinho, na Fazenda Maratá do meu inesquecível avô, João Góes de Araújo.


Fazenda Maratá década de 1980. Haroldo Filho (centro), André Araújo (esquerda), João Neto (direita atrás) e Bruno Araújo (ao fundo). Foto: Autor

Antes de adentrar nas viagens das comitivas rumo à Caruaru/PE contarei um pouco da história da família Araújo de Riachão do Dantas.

Infelizmente o histórico da família não é documentado (uma característica de muitas famílias do Nordeste), mas se sabe que os primeiros Araújos se estabeleceram em Riachão no início do século XIX, após sair de Pernambuco (onde há relatos, sem documentação, que possuíam um outro sobrenome, Cavalcante) e depois de terem passado um breve período em Inhambupe/BA.

Seus descendentes, Honorino e Manoel Ferreira de Araújo (conhecido como Inacinho), fixaram suas raízes em Riachão formando família e patrimônio, o primeiro na Fazenda Bom Jardim e o segundo, na Fazenda Maratá.


Fazenda Maratá, década de 1910. Casal Manoel e Maria Araújo com os filhos, João Góes de Araújo e Joana de Araújo Aragão. Foto: Autor

Um dos filhos de Honorino, de um dos seus quatro casamentos, Arthur Fontes de Araújo, se casou com Tercília Freire de Araújo e tiveram dezenove filhos: Honorino (Tinoco), Eunice, Paulo, Isaac, José (Zeca), Helena, Jael (minha avó), Sarah, Ezequias, Lídia, Jerusa, Joana (Joaninha), Ana (Anita), Ester, Artur, Jacob, Abraão, Herta e Joel, vivos apenas os dois últimos.

 

Costumo comparar a família Araújo ao Pau D´arco, uma árvore cascuda, de porte alto, com raízes profundas, de lenho valoroso e muitíssimo resistente e de belas e sensíveis flores.

Pois bem, no início da década 1940, Isaac Freire de Araújo começou a mandar comitivas de gado para vender, primeiro em Maceió/AL, no frigorífico de Artur Ferrão. Logo depois, enxergando um melhor mercado para os bois da região passou a enviá-los para Caruaru/PE, a quase 500 quilômetros de Riachão.


Alguns dos Irmãos Araújo: Joel, Herta, Lídia, Artuzinho, Joaninha e Abraão. Foto: Joélio Gonçalves Araújo

Seus irmãos, Artur e Abraão foram os primeiros responsáveis por chefiar as comitivas compostas por no máximo cinco pessoas, dentre eles se revezavam os sobrinhos, Térsio de Tinoco e Nito de Isaac, e os vaqueiros, Paulo do Maratá, Mulatinho, Xerém, Chico Corredor, Miguel, Horácio e Ranchinho, onde, mensalmente, levavam entre 100 e 200 cabeças de gado. Depois, ao irmão mais novo, Joel, coube a tarefa de chefiar as viagens por mais de dez anos ininterruptos.

Isaac comprava os bois dos fazendeiros da região de Lagarto, Simão Dias, Riachão e Propriá, entre eles: Dorinha, Zeca Barbosa (avô do atual secretário de Estado da Agricultura, Zeca da Silva), Artur Melo de Propriá, do meu avô materno, Martinho Almeida, e do meu avô paterno, João Góes de Araújo, uma relação baseada em muito respeito, amizade, confiança mútua e honradez.


Isaac Freire de Araújo. Foto: Simone Carvalho

As viagens duravam 21 dias e tinham os locais pré-determinados para as paradas de descanso, onde o responsável pela comitiva alugava pastos para a boiada se alimentar.

Após sair de Riachão, a primeira parada era na Vargem do Espinho, perto do povoado Jenipapo, em Lagarto, depois, na localidade Fornos em Itabaiana, em seguida na Usina Central em Riachuelo, depois em Siriri, Muribeca até que, no sétimo dia, chegavam em Propriá, onde atravessam a boiada em balsas tipo curral. Tarefa que durava o dia inteiro e era a mais tensa e perigosa da jornada, afinal, ainda não havia a ponte sobre o rio São Francisco.

De parada em parada pré-definidas chegavam à última, já em terras pernambucanas, precisamente na Fazenda Riachão, localizada na Lagoa do Ouro, onde as boiadas descansavam um dia e meio até chegar na feira de Caruaru e de lá, os compradores enviavam para o frigorífico de Recife.

Na maioria das vezes até as montarias eram vendidas, e os que integravam as comitivas voltavam de Jeep Willys, onde traziam o dinheiro apurado em sacos amarrados.

Leocádio Gonçalves com seus netos, Joaldo e Joélio. Foto: Joélio Gonçalves Araújo

Dessa relação comercial, surgiram sólidas amizades com os compradores pernambucanos, entre eles: Sólon Melo (Surubim/PE) e Leocádio Gonçalves (Vertentes/PE), este último, chegou fixar residência em Riachão do Dantas, na Fazenda Malhada Grande (atualmente pertencente, parte, a uma de suas filhas, Cristina e outra parte ao seu neto, Joélio), a outra filha, Socorro (in memorian) casou-se com Joel Freire de Araújo, como já dito, o responsável por chefiar por anos as comitivas.

Com a consolidação dos negócios e, principalmente, das amizades, os amigos/compradores, além dos já citados, também o senhor Araújo (Cachoerinha/PE), Domingos de Castro do frigorífico de Recife, entre outros, passaram a vir até Riachão do Dantas para fazerem seus negócios.

O ponto de referência desses negócios era a Fazenda Maratá, do meu avô paterno, João Góes de Araújo, filho de Manoel (Inacinho) onde, com minha inesquecível avó, Jael Freire de Araújo, neta de Honorino e irmã de Isaac (meus avós eram primos de segundo grau), sempre os recebiam com muita satisfação e deliciosas refeições.


Fazenda Maratá, década de 1970. João Góes e Jael Araújo (centro) recebendo amigos. Foto: Autor

Por meio do meu avô os compradores ficavam sabendo quais pecuaristas tinha boiadas para serem compradas, além do mais, ele também vendia bois-de-carro e muares para as usinas utilizarem nas colheitas de cana-de-açúcar, principalmente para a Catende de Pernambuco.

Com o passar do tempo, o transporte rodoviário, através das carretas boiadeiras, e o perigo de assalto foram levando as antigas comitivas ao seu fim, onde se estima que isso tenha ocorrido no início da década de 1970.

Por fim, é importante valorizarmos os legados dos nossos antepassados, sem cair na armadilha da melancolia, para que possamos construir nossas próprias histórias, para quem sabe, um dia, nossos descentes também as possam contá-las. Exatamente como diz a música Peão de Almir Sater: Os caminhos mudam com o tempo / Só o tempo muda um coração / Segue seu destino boiadeiro / Que a boiada foi no caminhão.

Fonte: f5news.com.br

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