A agricultura familiar

Um reconhecimento notável se deu à atividade do campo quando, no governo do Presidente Fernando Henrique, foi criado o MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário e quase simultaneamente um conjunto de atividades de crédito, fomento, extensão e capacitação resultou nos conceitos do que seria a Agricultura Familiar.

A agricultura familiar tem suas bases técnicas em termos de renda, área da propriedade, tipo de produção, características da família e do imóvel rural. Sendo atrelada a ela a Política Nacional de Reforma Agrária em vários dos aspectos mencionados.

Vale esclarecer que o crédito rural para o pequeno produtor havia desde há décadas em apoio à produção alimentar ou de produtos de mercado, bem como os recursos para empréstimos de investimento e regularização fundiária. O que não se tinha era uma dotação específica destinada ao pequeno e médio produtor, em particular através do crédito do PRONAF e seus derivados como o crédito florestal, o crédito ao pequeno produtor, ao assentado da reforma agrária, à comercialização dos produtos através da venda direta aos organismos governamentais, incluindo a modalidade de aquisição de imóveis rurais, o crédito fundiário.

A importância desta produção é mais bem avaliada ao se visitar uma feira livre. Basicamente quase tudo o que se vende é proveniente de pequenas glebas. Da fruta à verdura, das túberas aos ovos, aos peixes e cereais, em particular os feijões, os produtos derivados do milho e as carnes.

Bases realistas do pequeno empreendimento

Em tempos não tão remotos este tipo de exploração agrícola no imaginário popular era confundido com a agricultura de subsistência, ao menos no Norte e Nordeste. A história da atividade agrícola no semiárido é farta em narrativas históricas sobre o consumo de bens produzidos na propriedade e do pouco que teria de ser adquirido na sede dos municípios, a exemplo do sal.

Nos sertões também é parte do dia a dia as estórias sobre o que representava o cultivo do algodão mocó, de sua colheita, de seu uso como suporte forrageiro, de sua importância quanto ao se quitar a dívida do banco ou do dono das fazendas, por isto era também conhecido como ´rasga letra`, sendo esta letra uma promissória ou uma cédula fundiária, como antigamente eram denominados os documentos que atestavam os empréstimos bancários e mais importante do que tudo o que representava a renda para a compra das roupas e calçados do final do ano e para as necessidades imprevistas de saúde quer seja no pagamento das consultas ou na compra dos medicamentos.

Durante muito tempo e até hoje alguns estudiosos do mundo rural nordestino continuam a mostrar o homem sertanejo como um personagem idílico, atrelado aos seus laços e que deve ser visto com uma certa condescendência. Em particular no que diz respeito à oferta de políticas públicas compensatórias de crédito, compras diretas, juros negativos, renegociações ou perdões frequentes de dívidas. Será que este é o cenário atual deste cidadão? O que tem mudado?

Os avanços foram marcantes

Em primeiro lugar, tal qual posto em alguns textos anteriores, os avanços em termos de infraestrutura foram consideráveis. As estradas já não são as mesmas, sequer a disponibilidade de água, o alcance aos bancos e aos programas específicos se tornaram bem mais fáceis. O acesso à educação foi algo revolucionário. Não é comum se ouvir que este ou aquele jovem é o primeiro membro da família a ter oportunidade de cursar educação superior. O acesso a internet não é nada desprezível e nem o avanço na produção comercial ou familiar de energias renováveis.

Em se considerando tais fatos, uma visão atual do mundo e da inserção do Sertão e do sertanejo ajudará no entendimento de quais são as aspirações do homem do campo no momento atual e o que se pode esperar dessas terras até pouco tempo atrás, em particular durante as apurações de eleições, eram denominadas de confins ou grotões.

A verdade é que os grotões despertaram, se modernizaram e apostam em uma realidade onde a prosperidade é a característica a ser buscada. O que os pequenos produtores querem não é ver apenas os avanços ocorridos nos perímetros irrigados do São Francisco, mas participarem dessa evolução e de seus ganhos. Esta, continuo insistindo, é uma lógica nem sempre compreendida para quem não imerge no mundo sertanejo. Deixando de ver o homem como um pobrezinho a necessitar de ajuda, mas como um pequeno empresário e sua propriedade como uma unidade de negócio.

É dali, sejam, um, quatro ou vinte hectares de onde a renda terá que ser construída, proveniente de atividades primordialmente agrícolas ou não. O artesanato e o turismo rural estão aí para dar prova desse argumento.

Aproveitamento dos avanços tecnológicos

Um outro argumento um tanto fora de moda é o de que o conhecimento não poderia chegar ao homem do campo. Ele era analfabeto, não sabia ler e, portanto, sequer uma cartilha ou um manual técnico poderiam ser manuseados. Alguém pode até continuar acreditando nesta fábula, mas a verdade é que a grande maioria dos nossos irmãos e irmãs do Semiárido possuem telefones celular de última geração, contam com acesso à internet, dominam toda a transação bancária e de compra e venda, se diverte e aprende utilizando-se da tecnologia da informação.

Logo, gostaria de falar para ao dileto amigo que tratou do tema desta crônica que ficaram para trás os dias quando os leitores das cidades sertanejas de Pernambuco recebiam o Diário ou o Jornal do Comércio pelos ônibus da Progresso ou se sentiam atualizados aqueles que afortunadamente contavam com um rádio capaz de sintonizar a Rádio Jornal, Pernambuco falando para o mundo.

A convivência com as secas

É simpático falar dos avanços, mas tão importante quanto isto é deixar claro que a seca é nossa irmã e que a qualquer momento ela pode voltar a bater em nossas portas. Nada de surpresas. Pura verdade, mas, ao mesmo tempo, é importante lembrar que durante o último ciclo seco que perdurou, em boa parte do Semiárido, entre 2012 e 2018, foi encarado de forma bem diferente dos ciclos anteriores.

Basta lembrar dos saques nas feiras, das frentes de emergência e as centenas de corpos famintos tentando suspender uma enxada ou uma picareta.

Nossa amiga e irmã virá, mas sabendo que os anos de sofrimento ensinaram muito e seus irmãos Nordestinos já não se contentam com uma cuia de farinha ou de feijão, mas querem ver seus filhos bem alimentados, com saúde e estudando até onde for possível.

Esta realidade, nós professores convivemos com ela e não deixamos de admirar o que é o horizonte para uma família nordestina de hoje e há vinte anos. No geral, gostaria de concluir que o mundo rural nordestino também sofreu um processo intenso de mudanças, que o pequeno produtor continua sacrificando-se ao máximo, mas que não se pode comparar a dificuldade atual com a que enfrentou seus pais ou avós nesta mesma odisseia.

Professor Titular da UFRPE-UAST

 

Fonte: jornaldosertaope.com.br

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