Que o fenômeno El Niño está aí, já não é novidade. Neste momento, a questão mais importante é o monitoramento das condições oceânicas e atmosféricas. Na mais recente projeção do Bureau de Meteorologia (centro australiano) as condições estão mostrando uma certa estabilidade do fenômeno. Mas os prognósticos indicam o fortalecimento gradativo do El Niño ao longo da primavera e verão de 2024, afetando diretamente momentos sensíveis às lavouras brasileiras, como a colheita do trigo e a semeadura da soja. Estes efeitos variam de acordo com as regiões do país, com diferentes consequências para as precipitações, temperaturas e para as lavouras.
Na primavera, durante os anos de El Niño, há uma tendência notável de anomalias de precipitação. No norte e centro-leste do Brasil experimentam valores abaixo do normal, enquanto no sul, observam-se anomalias positivas de precipitação. Este padrão muda em dezembro, quando o nordeste da Amazônia e o centro-oeste exibem valores abaixo do normal. Por outro lado, em janeiro, há indícios de um aumento nas chuvas de precipitação no centro-leste do Brasil.
No sul do Brasil, o El Niño pode causar situações extremas, como inundações. Isso foi evidenciado na primavera de 2015 – última ocorrência de um El Niño forte – quando houve uma maior frequência de ciclones próximos ao sudeste da América do Sul. Estes ciclones podem ter contribuído para as anomalias positivas de precipitação registradas nesse período. Na mesma estação de 2015, a anomalia de precipitação na região sul foi muito acima da média, enquanto o norte do Brasil experimentou condições secas e quentes, tornando a Amazônia mais árida do que o normal.
O impacto do El Nino no setor agrícola brasileiro é direto. As culturas de inverno, como o trigo, são afetadas negativamente pelo El Niño, principalmente devido ao excesso de precipitação na colheita. Durante o El Niño de 1982/83, chuvas excessivas durante a colheita causaram perdas significativas na safra de grãos da Região Sul. Além disso, o arroz também é vulnerável às inundações causadas pelas chuvas excessivas inerentes do fenômeno na região sul.
O MATOPIBA, região agrícola composta por partes dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, também demonstra vulnerabilidade aos efeitos combinados do El Niño e outros mecanismos atmosféricos-oceânicos. A porção norte desta região é especialmente impactada. Nos anos secos, os valores médios de rendimento são menores, afetando de forma expressiva o cultivo da soja.
Tendo em vista a variabilidade climática associada ao El Niño, a capacidade de prever sua ocorrência e intensidade é crucial. Uma previsão acurada do El Niño Oscilação Sul pode fornecer informações valiosas para agricultores e tomadores de decisão. A antecipação das condições climáticas permite otimizar as práticas agrícolas, seja ajustando o calendário de plantio, seja escolhendo variedades de culturas mais resistentes. Esse tipo de previsibilidade pode resultar em benefícios econômicos significativos para os produtores, evitando perdas de colheita ou maximizando a produção em condições favoráveis.
Dada a previsão de um El Niño potencialmente intenso para a safra de 2023/24, é necessário que os produtores brasileiros procedam com cautela e planejamento em suas operações. O impacto deste fenômeno climático pode variar significativamente em diferentes regiões do país. Portanto, uma estratégia recomendada é acompanhar de perto as previsões meteorológicas de curto prazo (até 15 dias) e adaptar o planejamento agrícola de acordo com as condições previstas para a respectiva região. Este cuidado pode minimizar riscos e maximizar o potencial produtivo das lavouras.
Material elaborado pelo metereologista, Gabriel Rodrigues com revisão de Seane Lennon.*
REFERÊNCIAS
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Berlato, Moacir A. e Fontana, Denise Cybis, 1999: EL NIÑO E A AGRICULTURA DA REGIÃO SUL DO BRASIL. Embrapa Trigo. http://www.cnpt.embrapa.br/pesquisa/agromet/agromet/elninolanina/elnino2.pdf
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Fonte: Agrolink