A história do desenvolvimento da fruticultura irrigada no submédio São Francisco é exemplar, conhecida por muitos, divulgada com merecida ênfase e objeto de admiração por gestores de várias outras áreas que poderiam ter tomado o mesmo rumo há oito décadas.
Esta região a que me refiro, o submédio São Francisco, compreende 24 municípios dos estados da Bahia e 63 municípios de Pernambuco, abrangendo uma área de 153 mil quilômetros quadrados, ou uma vez e meia a superfície do estado de Pernambuco. Estende-se desde o município de Senador Calmon, na Bahia, ao de Jatobá, em Pernambuco. No trecho à margem do rio, nos municípios de Petrolina e Juazeiro, optou-se pela promoção da fruticultura irrigada e, hoje, são dezenas de culturas que fazem parte do cardápio de opções, destacando-se a manga e a uva. Esta última em segmentos como de mesa, vinho e suco.
A atividade agrícola sob condição de irrigação expandiu-se desde Sobradinho e Casa Nova até Petrolândia, que além da produção de frutas tornou-se um polo destacado de produção intensiva de tilápia. Não é à toa que algumas estatísticas mostram que o submédio se encontra entre os cinco mais importantes polos de produção de frutas em todo o mundo.
Investimentos públicos foram fundamentais.
O papel do empreendedor privado merece destaque. Certamente a substituição de colonos nos lotes familiares ocorreu e foi decisivo para o sucesso de alguns perímetros irrigados. A seleção inicial baseada em quem pretende se constituir em um produtor nem sempre significa que alguém com este perfil está sendo escolhido. Mesmo assim, a maioria da produção se dá por produtores que variam de um a vinte hectares de área irrigada.
As empresas maiores se tornaram âncoras e na maioria dos casos, à exceção de uma indústria sucroalcooleira que se localiza no município de Juazeiro, a produção própria gira em torno de 50% do que comercializam para o mercado interno e para o exterior.
Vale destacar que sem a presença marcante do poder público, desde a Sudene, passando pela Codevasf, o Banco do Nordeste, as instituições de pesquisa e ensino, a exemplo da Embrapa, UNEB, UNIVASF, IF Sertão, IPA, ITEP, prefeituras municipais, da iniciativa privada que aperfeiçoam os sistemas de cultivo, processamento e mercado em tempo integral, os técnicos que operam como consultores e, em especial os agricultores que ao longo de anos foram se especializando, aprendendo e hoje formam um grupo altamente qualificado.
Como seu deu a transformação dos perímetros
Há um momento decisivo na gestão das áreas irrigadas dos perímetros irrigados da Codevasf. Isto se deu na gestão do Dr. Eliseu Alves, o mesmo cidadão que antes havia revolucionado a pesquisa agropecuária brasileira, quando como um de seus diretores e, posteriormente, presidente, deslanchou o maior programa de capacitação de jovens profissionais para cursos de mestrado e doutorado nas mais renomadas escolas da América do Norte e Europa.
O papel desse gestor foi decisivo em implementar um programa denominado de Emancipação dos Perímetros Irrigado, o que com muita dificuldade retirou-os da completa inviabilidade técnica e financeira, transferiu parte substancial das tomadas de decisão em assistência técnica, manejo cultural, disponibilidade hídrica e interação com o poder público, notadamente a Codevasf e o BNB para as associações de irrigantes.
Sem esta política gerencial implementada há cerca de três décadas o que poderia ser encontrado hoje seria áreas sucateadas, abandonadas sem que os investimentos públicos tivessem alcançado os objetivos estabelecidos. Obviamente que não foi apenas o Dr. Eliseu o único pensador e executor desta façanha mas que não deixa de ser algo notável e merece o reconhecimento a quem em um segundo movimento continuou atuando com precisão e modificando o cenário da agricultura irrigada no submédio São Francisco, algo não conseguido nos perímetros das demais regiões.
Dá para replicar o exemplo bem sucedido?
Durante esta semana tive a oportunidade de acompanhando de três empresários, o Francisco Mourato, da Solarel; o Diego Teixeira, da Athos e o Paulo Duarte que trabalho com várias companhias, dividindo seu tempo entre Nashville, nos Estados Unidos e São Paulo de empreender uma visita a uma empresa que se tornou um dos ícones dessa saga: a Grand Valle, do empresário e Gilberto Secchi e família. A empresa tornou-se uma das mais importantes exportadoras de manga, contando com uma fração significativa de seu portfólio com as uvas de mesa e suco. O grupo foi recebido por duas executivas, as Senhoras Lara e Letícia Secchi que de modo preciso e didático relataram a saga de seu criador, o papel da empresa e o que pretende.
O Senhor é um dos desbravadores que chegaram na região nos anos setenta, trabalharam incessantemente, evoluíram e estabeleceram um padrão a ser conhecido e copiado no que se faz necessário por outros empresários. Não é à toa que apenas de que o empresário, suas filhas e equipe gestora controlam o cultivo de 600 hectares de manga e ao redor de cem hectares de uva, além do acompanhamento e supervisão de seus cooperados, entre eles o amigo que nos acompanhava, o Luiz Jorge Wanderley Júnior, da Hortivale, responsável pelo agendamento e um dos fornecedores de manga para a Grand Valle.
A questão que passa na cabeça de quem visita uma empresa com essas características é se há como se replicar esta experiência em outras áreas do semiárido além das áreas ribeirinhas dos Rios São Francisco e do Parnaíba. Certamente as condições não são as mesmas, a disponibilidade de água não é a mesma nem o mercado suporta a rápida expansão das áreas com as mesmas culturas, entretanto, é forçoso se reconhecer que há espaço para avanços e, particularmente em se mudar radicalmente o perfil do pequeno produtor do semiárido brasileiro
Não são os grandes perímetros, mas as micro e pequenas áreas irrigadas em mais de dois milhões de imóveis rurais do Nordeste brasileiro. No dia seguinte o grupo visitou o município de Serra Talhada começando pela UFRPE-UAST, acompanhando parte das pesquisas em campo, sendo informado sobre o potencial que representa uma instituição com duzentos professores e aproximadamente dois mil alunos e a necessidade de conectar o conhecimento circulante nesta escola com a realidade regional em benefício do desenvolvimento econômico dos agricultores familiares que são os guardiães das micro, pequenas e médias propriedades.
Segue-se uma visita à Fazenda Abóboras, do Sr. Eduardo Viana é visto quão fértil e aproveitável são as terras que se iniciam na Fazenda Saco, onde se encontra a UFRPE-UAST e o IPA e a Fazenda Fagusa, que se segue à Abóboras.
Em se estabelecendo o programa de trabalho consensuado com a universidade e esses empresários, duas unidades demonstrativas serão instaladas com o objetivo de demonstrar a pertinência de se ver tecnologias disponíveis, a exemplo da irrigação localizada, a fertirrigação, as energias renováveis, o manejo integrado de pragas, o processamento, a internet, com suas diversas facetas integradas ao mercado local, regional e, em se evoluindo, ao mercado exterior.
O exemplo das áreas irrigadas do submédio São Francisco, dos esforços, das lições, dos insucessos e dos acertos são algo que servirão de base a este redesenho da agricultura, seja familiar ou empresarial para o semiárido brasileiro. Sempre lembrando que cada propriedade rural é uma unidade de negócio.
1Professor Titular da UFRPE-UAST