Há longos trinta e cinco anos encontrava-me cursando o doutorado em melhoramento genético vegetal na universidade Texas A&M. Além do campo, dos laboratórios, das aulas, cabe ao aluno estar atento ao que se discute em uma grande escola em que transitam todos os dias dezenas de milhares de estudantes, centenas de professores, pesquisadores e visitantes dos Estados Unidos e do exterior.
O tema da moda na área da biologia era a ascensão da biologia molecular que também se confundia com a biotecnologia. Os programas e cursos foram modificados na crença de que com o novo aparato de equipamentos capazes de desvendar o genoma, quase tudo em termos de herança estaria resolvido. Depois de uma luta política, científica e financeira, o genoma humano foi finalmente concluído em abril de 2003, após onze anos de trabalho intenso. Esta saga custou aproximadamente três bilhões de dólares e com o fim do sequenciamento anunciado muitos passaram a crer que a cura da maioria das doenças, o aspecto físico, emocional e a inteligência dos filhos seria definida pelos pais e pelo dinheiro que tivessem disponíveis.
Para minha surpresa, um pouco antes de retornar ao Brasil, assisti a um seminário de um pesquisador do Herbário Nacional dos Estados Unidos – Smithsonian em que mostrava a eficiência da biologia molecular na classificação das espécies de plantas se equivalia à botânica sistemática clássica, a última baseada na observação e do conhecimento profundo que o especialista tinha das espécies sob seu domínio. Constrangidamente a conclusão a que chegou seu projeto foi que não havia diferenças significativas na classificação das famílias estudadas. A partir daí fiquei convencido que a botânica, a entomologia, a micologia, e bacteriologia, a e a zoologia não haviam sido enterradas e que qualquer que fosse a aplicação mais avançada sempre se recorreria à ciência clássica para dirimir as dúvidas. Falar com quem sabe, em resumo.
A internet na vida das pessoas
A internet engatinhava e os nomes comuns entre todos eram o da IBM, o da Apple e o da Microsoft. Google, Facebook, Instagram, TikTok não faziam parte do léxico da época. É neste cenário que ao participar das discussões e se manter informado sobre o que ocorria no Campus quando soube que a universidade estaria estabelecendo uma nova disciplina Inteligência Artificial.O objeto de estudo só não era mais incompreensível porque Walter Clark já tinha rodado o filme 2001, uma Odisseia no Espaço, em 1968 e Ridley Scott concluído a versão primeira de Blade Runner em 1982. O fato é que uma boa parte da Academia considera esta ousadia uma temeridade. Um tiro no escuro. Talvez uma forma de gastar dinheiro à toa.
O tempo avança e com ele a humanidade embarca na mais fantástica experiência da história que foi o desenvolvimento do telefone celular como síntese de todas as tecnologias de informação disponíveis. De uma hora para outra a câmera fotográfica com filmes, a filmadora, a calculadora, o telefone fixo e sua mesinha, o gravador, a bússola, o gps, o teclado, o computador, a televisão, o rádio se tornaram obsoletos.
Veio a pandemia da Covid em 2021 e com ela destampou-se a caixa de Pandora da tecnologia. O que havia dentro foi imediatamente sacado e a lógica do trabalho, da programação, da entrega, do comércio, do aprendizado foi posto nas mãos do cidadão . Uma falácia foi posta abaixo, a que dizia ser impossível o homem comum, analfabeto e letrado não conseguir ser um usuário da tecnologia digital. Em um piscar de olhos a grande maioria da população estava com um celular de última geração em suas mãos, contratou um provedor de internet e passou a ter acesso ao banco, à seguradora, ao cinema à televisão e à comunicação com imagem com os pais, filhos ou amigos que se encontravam na rua ao lado ou no exterior.
Os robôs vão programar o homem
Para concluir o samba começou a circular notícias, a maioria via blogs, que robôs domésticos estavam disponíveis podendo substituir alguns trabalhadores. As fábricas, visando a redução de custo, passou a usar massivamente esses equipamentos e nesta onde os robôs invadiram os hospitais, incluindo as cirurgias mais delicadas, as escolas, o mercado de atacado e varejo e, por último, o campo.
Em se referindo à agricultura, primeiro foi divulgado o conceito de agricultura de precisão onde desde a preparação da área, o plantio com um número exato de sementes, a aplicação de fertilizantes, de defensivos sejam químicos ou biológicos, o uso da água, o ponto de colheita e a classificação dos frutos. Ainda se contando com os sensores que fornecem em tempo real as informações sobre a umidade do solo e a demanda de nutrientes. A situação é de tal ordem que, aparentemente, nunca foi tão fácil ser agricultor. A sorte nossa é que como a agricultura e a pecuária dependem do controle sob centenas de variáveis, o olho humano dificilmente será substituído. Este é nosso radar número um.
Retornando ao filme 2001, uma Odisseia no Espaço, há de se considerar que os robôs, utilizando-se da inteligência artificial estão atentos e se aperfeiçoam e aprendem em uma velocidade tão alta que em pouco tempo programaram a vida das pessoas e não sendo programados por elas. Parte disso já ocorre. O som irritante do celular indicando a hora de acordar, da medicação, da alimentação, a oferta de produtos que alguém havia pensado em adquirir, do ir e do vir é comum mesmo nas mais distantes localidades do Sertão, ou do Ártico, da Tundra, da Sibéria onde quer que se possa imaginar. O próximo passo da revolta dos robôs tendo como base a inteligência artificial é controlar os seres humanos desde bebês. As crianças estarão tão domadas e os pais estão ausentes que sequer notarão que serão criados e educados em uma nova ordem.
Como as profissões reagem
Uma questão interessante é como os pensadores e educadores têm reagido a este movimento brusco. Para alguns, essas criaturas não afetarão as engenharias uma vez que não sabendo matemática e cálculo não podem ser um bom engenheiro. No caso das ciências agrárias poucos têm notado que o papel da biologia é fundamental mas não único. Um plantio de qualquer cultura envolve além da agronomia, a engenharia mecânica, a química, a geodésica, a engenharia genética, a programação, a robótica e lá se vão outras demandas. Resumindo a ópera. Ou as profissões encaram o novo mundo, somando-se os riscos advindos das mudanças climáticas em curso ou serão tragadas permitindo o fracionamento de cursos e, por incrível que pareça a não obrigatoriedade por uma educação formal de graduação, mestrado, doutorado, o estágio de pós doutorado ou os campi se tornarão menos povoados. É o que está ocorrendo neste instante.
Não se trata de uma visão fantasmagórica mas de um diagnóstico de quem está vendo exemplos imprevisíveis e inimagináveis há pouco tempo. As máquinas podem falhar. Claro que sim, afinal até as pesquisas eleitorais falham de forma grave a exemplo do que ocorreu antes de ontem nos Estados Unidos, uma coisa porém é certa, estejamos preparados para encarar o abismo que é o mundo da inteligência artificial programando a agenda dos seres humanos, ou nos aguarda a escravidão.
1Professor Titular da UFRPE-UAST
Fonte: jornaldosertaope.com.br