O solo atua frequentemente como um “filtro”, tendo a capacidade de depuração e imobilizando grande parte das impurezas nele depositadas. No entanto, essa capacidade é limitada, podendo ocorrer alteração da qualidade do solo, devido ao efeito cumulativo da deposição de poluentes atmosféricos, à aplicação de defensivos agrícolas e fertilizantes e à disposição de resíduos sólidos industriais, urbanos, materiais tóxicos e radioativos. Em função das características do solo, a água se infiltra e atravessa os diversos substratos horizontais, classificados de acordo com seu nível de saturação de água, em zonas saturadas e zonas não saturadas. A água subterrânea propriamente dita encontra-se nas zonas saturadas, onde os poros, fraturas ou espaços vazios da matriz sólida estão completamente preenchidos por água. Assim, como fazem parte do mesmo contexto, o que ocorrer com o solo (e suas características especificas de formação e condições climáticas presentes) repercutirá nas águas subterrâneas, podendo resultar em alterações de sua qualidade. Desta forma, a migração dos poluentes através do solo, para as águas superficiais e subterrâneas, constitui uma ameaça para a qualidade dos recursos naturais utilizados em uso público, industrial, agrícola, comercial, lazer e serviços.
A distribuição de elementos químicos (metais pesados, elementos comuns, tóxicos, etc) nos solos, sob condições naturais, ocorre de forma aleatória, mas generalizada, em toda área. Entretanto, as atividades antrópicas podem adicionar materiais que contêm esses elementos aos solos, os quais podem atingir concentrações muito altas, que comprometem a qualidade dos ecossistemas. Para atender aos requisitos impostos pela legislação vigente, os organismos de monitoramento ambiental necessitam de indicadores capazes de servir como referência para a avaliação continuada dos impactos ambientais causados pelas atividades antrópicas sobre os solos.
Nesse sentido, as Agências de Proteção Ambiental propõem o estabelecimento de valores orientadores que permitam identificar áreas poluídas ou contaminadas e, concomitantemente, avaliar o potencial de risco ao meio ambiente e à saúde humana. Os valores de referência de qualidade (VRQ) ou de background são valores orientadores que representam a medida da concentração natural de elementos químicos em solos sem influência humana. Esses valores podem ser estabelecidos a partir da determinação dos teores naturais desses elementos no solo, levando-se em consideração a variação das classes e das propriedades físicas e químicas do solo. No Brasil, com a crescente demanda social pela melhoria e manutenção da qualidade ambiental, realizaram-se alguns levantamentos dos teores naturais de metais pesados em solos com vistas a estabelecer valores orientadores para algumas regiões. Em termos de Brasil, apenas os estados de São Paulo (lançado em 2001), Minas Gerais (definidos em 2011), Pernambuco e Paraíba (ambos em 2014) possuem definidos estes valores.
O estabelecimento de valores orientadores ou valores de referência de qualidade (VRQs) do solo tem sido prática usual nos países com tradição na questão do monitoramento da qualidade de solos e águas subterrâneas e no controle de áreas contaminadas, tem potencial uso na aplicação tanto na prevenção da poluição de solos e águas subterrâneas, bem como no controle de áreas contaminadas. Com isto, objetiva-se o conhecimento da metodologia adotada e os valores orientadores estabelecidos como referência de qualidade, alerta e intervenção para proteção da qualidade de solos e águas subterrâneas.
O valor de referência de qualidade, indica o limite de qualidade para um solo considerado limpo ou a qualidade natural das águas subterrâneas a ser utilizado em ações de prevenção da poluição do solo e das águas subterrâneas e no controle de áreas contaminadas. Foi estabelecido com base em análises químicas dos diversos tipos de solos. O valor de alerta, indica uma possível alteração da qualidade natural dos solos, será utilizado em caráter preventivo e quando excedido no solo, deverá ser exigido o monitoramento das águas subterrâneas, identificando-se e controlando-se as fontes de poluição. Foi derivado para metais, com base em revisão bibliográfica sobre fitotoxicidade. O valor de intervenção, indica o limite de contaminação do solo e das águas subterrâneas, acima do qual, existe risco potencial à saúde humana, e será utilizado em caráter corretivo no gerenciamento de áreas contaminadas e quando excedido requer alguma forma de intervenção na área avaliada, de forma a interceptar as vias de exposição, devendo ser efetuada uma avaliação de risco caso a caso.
A área será considerada contaminada se, entre outras situações, as concentrações de elementos ou substâncias de interesse ambiental estiverem acima de um dado limite denominado valor de intervenção, indicando a existência de um risco potencial de efeito deletério sobre a saúde humana, havendo necessidade de uma ação imediata na área, a qual inclui uma investigação detalhada e a adoção de medidas emergenciais, visando a minimização das vias de exposição como a restrição do acesso de pessoas à área e suspensão do consumo de água subterrânea. A urgência da intervenção pode ser baseada em uma avaliação de fluxo e transporte de massa de poluentes, através de modelagem matemática, assim como em uma avaliação de risco específica para as condições do local, levando-se em consideração a exposição humana. O início da intervenção na área e a execução de todas as etapas posteriores devem ser acordadas entre o responsável pela remediação e as autoridades competentes, estabelecendo-se um cronograma executivo que deverá ser subsidiado pelas informações obtidas na avaliação da área contaminada. Os objetivos da intervenção são definidos após a investigação detalhada. Caso a intervenção recomendada seja uma remediação, propõe-se que o alvo a ser atingido, ou seja, a concentração do contaminante após o término da remediação, seja determinado pela avaliação de risco específica, tendo como valor orientador, o valor de alerta. Portanto, antes de se partir para uma avaliação detalhada, aplicando-se modelos de avaliação de risco caso a caso, o que envolve altos custos e grande especialização, uma lista orientadora de valores de referência de qualidade e valores de intervenção pode ser utilizada, possibilitando ao poluidor, a alternativa de utilizar os recursos disponíveis diretamente para a remediação.
Há aproximadamente dois anos, uma equipe multidisciplinar do Departamento de Engenharia Agronômica – DEA, da Universidade Federal de Sergipe – UFS, coordenado pelo Prof Alceu Pedrotti e apoiada pelo Prof Sandro Holanda, percorreram toda a área do Estado de Sergipe, coletando 40 amostras compostas de solos representativos em termos de distribuição geográfica, contemplando classes de solos pelo atual Sistema Brasileiro de Classificação dos Solos em distintos ecossistemas, e em áreas minimamente perturbadas por atividades humanas. Após as analises químicas devidas, identificou-se na prática, os teores de diversos elementos químicos naturalmente presentes nestes solos, uma vez que os mesmos possuem condições especificas de material de origem, clima, nível de atuação de organismos, situação na paisagem e tempo de formação, aliada as condições especifica de clima ocorrentes no local. Com isto percebe-se que no Estado de Sergipe há uma grande variabilidade de classes de solo, embora sejamos o menor estado do País, no entanto são altamente diversificadas a associação dos diversos fatores relatados acima, o que torna diversificado o potencial de uso dos solos frente as diversas explorações antrópicas e desta forma peculiares para as nossas condições, que muitas vezes aparecem condições endêmicas da vegetgação, como no caso da área do Parque Nacional da Serra de Itabaiana, sendo mais ainda necessário o estabelecimento dos VRQs no nosso estado, como também para atendimento a Resolução CONAMA 420/2009.
Em meados de Dezembro de 2016 foi apresentado o Relatório Final do Projeto de Pesquisa para o órgão ambiental de Sergipe – a ADEMA, especificamente para sua diretoria e corpo técnico, desenvolvido em conjunto para o Estado de Alagoas e pela Universidade Federal de Alagoas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte e pelo Cenpes da Petrobras. Com isto, num futuro breve será lançado uma instrução normativa que estabelece como oficial estes parâmetros para uso em diversas ações ambientais na abrangência de cada um dos Estados envolvidos, servido como importante referência para fiscalização e monitoramento em áreas impactadas.
A proteção do solo e a consequente proteção à saúde humana, são temas recorrentes quando se trata da preservação desse recurso contra a contaminação por substâncias tóxicas. Embora a regulamentação desta proteção esteja efetivada há vários anos em diversos países do mundo, especialmente na Europa e Estados Unidos, apenas recentemente o Brasil foi dotado de um instrumento que fornece as diretrizes para o gerenciamento de áreas contaminadas. Portanto, a Resolução 420 de 29/12/2009 é um importante marco para todos aqueles que trabalham e se preocupam com a qualidade do solo, a segurança alimentar e, consequentemente, com a saúde da população.
Por: Engenheiro Agrônomo Alceu Pedrotti, Professor Titular do Departamento de Engenharia Agronômica da UFS.